sexta-feira, 4 de abril de 2008

Já vi este tipo de bigode em qualquer lado...


Robert Mugabe é a encarnação dos destinos entendidos como unívocos da nação do Zimbabwe desde 1980, ocupando os cargos de Primeiro-Ministro desde essa data e de Presidente a partir de 1990. Começou por ser bem acolhido pelas massas até porque durante o seu mandato atingiu a independência face à Rodésia e inaugurou-se um novo estado sobre a égide do lema "Unidade, Liberdade, Trabalho" (embora a palavra do meio tenha ficado "esmagada" pelas palavras laterais, se é que me entendem).
Após 28 anos no poder, o Zimbabwe vive as suas pseudo-eleições, mas parece que a mão de ferro começa a fraquejar, pois a comum fraude eleitoral está num impasse. Mugabe parece no mínimo ter perdido a maioria no parlamento embora a comissão eleitoral ainda nada tenha revelado, estando num compasso de espera que normalmente inspira desconfiança. No partido de Mugabe, o ZANU-Frente Patriótica, já circularam rumores que indiciam que alguns dirigentes se mostraram propensos a não apoiar Mugabe e "exigir" a sua renúncia e até se diz que Robert Mugabe terá aceite essa hipótese, mas perante um simulacro de golpe de estado que o permitiria sair, no seu ponto de vista de forma mais honrada. Mugabe quer tudo menos perder, nem que isso implique mais uma falsidade (residual até) no meio de um regime que já por si é falso, tal como exemplifica a existência legal de um jornal totalmente afecto ao estado do Zimbabwe, e por onde muito comodamente se veiculam sondagens encomendadas. Todavia, isto não passam de informações constantemente atestadas de veracidade e simultânea falsidade. Agora aguarda-se pela segunda volta onde se saberá o desfecho. Nestes dias colocam-se várias questões que suponho que deixem qualquer um constrangido. Será que a democracia é mesmo viável neste tipo de países? Ou as ditaduras são soluções de agregaçao de países de parcos recursos e de carácter multi-étnico que requere uma unidade restrita? Será que a democracia não é um regime idílico nestas circunstâncias? E por outro lado, recordemo-nos da Cimeira UE-África. Ou será que sou o único que apenas se lembra do nome (com esforço), porque medidas práticas que sirvam de marca deste evento, provavelmente não existem. Não é de desprezar esta iniciativa de contacto entre os dois continentes, mas a diplomacia por vezes exagera ao privilegiar os protocolos e afins, enquanto os resultados são ofuscados por uma mais que trivial inércia. Mesmo assim, a comunidade internacional continua na esperança de que o caso queniano nao se repita. O que teremos de ver é se a esperança da comunidade internacional é acompanhada por medidas preventivas de novos conflitos, estranhamente ligados a actos simples para democracias liberais, como são as eleições.

11 comentários:

Gabriel Maria disse...

Caro colega Rogério.
A Rodésia tornou-se Zimbabwe.
São a mesma coisa.
Consiste em mais uma "argolada/legado" dos nossos velhos Aliados de Windsor desde 1386, ao estilo do desmembramento do Império Turco-Otomano, com o actual "embrulho" que é o Médio-Oriente e que continuou desde o Cairo até ao Cabo, cortando África ao meio enquanto ainda não havia o Canal de Suez.
O controlo da Rota da Índia e da região mediterrânica Oriental, deu-lhes quase o monopólio comercial mundial marítimo e terrestre com a Ásia e Oceânia, enquanto iam sugando as grandes riquezas deste continente e impondo as suas leis (lei do mais forte).
O negro e o cinzento deste triste século XX, muito se deve aos nossos velhos amigos e o que não faltam são Zimbabwes e Palestinas, por aparecerem neste séc. XXI.
É por estas e por outras, que muitas vezes prefiro os americanos até à II Grande Guerra.Depois disso, é outra história...

Eles actuaram sempre desinteressadamente...claro!

Diogo N. disse...

Caro Rogério, penso que o teu texto está interessante e que focaste dois pontos de maior importância no contexto político internacional actual. No entanto, tenho que ser obrigado a discordar parcialmente da maneira como abordaste um, e absolutamente da maneira como abordaste o outro. Estes dois pontos são a questão da viabilidade da democracia nas ex-colónias africanas e o papel e pragmatismo diplomático da actualidade.
Primeiro gostaria de frisar a maneira como nos deixamos "americanizar" quando pensamos em questões de democracia fora do contexto da civilização ocidental. Ninguém disse que a democracia era o melhor sistema político para todos os estados de todos os continentes do mundo, ou melhor, dizer disseram. A questão é que a visão americana de exportação da democracia além do paradigma ocidental se tornou quase uma epopeia e tem vindo a arrastar-se ao ponto de levar toda a gente a acreditar que esta é a única solução viável em termos de regime político contemporâneo, qualquer que seja a situação. Será realmente assim? Por outro lado, também ninguém disse que teria que ser um tipo de tirania semelhante à que assistimos frequentemente no continente africano... Só que o mundo não existe só a preto e branco, e muitas vezes tendemos a esquecer isto.
Voltando ao texto em si, acho que tendes a subestimar um homem como Robert Mugabe. Não creio que seja apenas o medo de perder que o faça querer ser deposto por meio de um golpe de estado encenado. É fácil imaginar porquê. Se o tirano cai por meios meios democráticos, origina uma transição para a democracia e, sendo a democracia o regime que Mugabe não quer de certeza, isso cria-lhe problemas no controlo da cena política depois de deposto, principalmente porque todos os democratas são anti-Mugabe. Não é de todo incompreensível que um homem que sempre teve o poder o queira manter para sempre.
Quanto à diplomacia europeia, penso que também a subestimas. O que tu chamas "inércia" é na realidade um "savoir faire" com anos de história. Pode ser uma visão conservadora, mas, na minha opinião, não acho que o privilegiar de protocolos e tradições diplomáticas seja de alguma maneira um problema na resolução de problemas do panorama internacional. Robert Kagan realçava o fosso que o atlântico representa em termos de acção política e cultural, estabelecendo no seu "Power and Weakness" um antagonismo que descreve a Europa como elo fraco. Contudo, não sei se o texto terá um efeito contrário ao que é suposto, pelo menos no meu caso. Porque o texto não faz um europeu querer ser americano, na minha opinião. Dá-lhe o orgulho de ser europeu, e a confirmação de um legado histórico incompreensível para qualquer americano.
No caso concreto da Cimeira UE-África, ninguém podia esperar que daí saísse a "cura" para todos os males do continente africano, ou mesmo um conjunto de medidas práticas de resolução dos problemas. Não é assim que se trabalha. Aquela era uma reunião para reconhecer que o continente africano tem problemas e precisa da ajuda europeia. Por mais que nos custe perceber isso, a prática nem sempre é o mais importante e se não nos regermos por protocolos e tradições vamos perder a base de acção e começar a agir de uma forma que pode tender para uma espécie de "diplomacia anárquica". Não nos podemos deixar "americanizar" também neste aspecto.

Rogério Santos disse...

Antes de mais obrigado pela problematização trazida ao tema. Na questão da democracia, acho que ninguém está em condições de responder de forma conclusiva, visto que cada país tem as suas particularidades. Contudo, em todo o globo, os países com melhores niveis de desenvolvimento, estão enquadrados em regimes democráticos, o que pode deixar transparecer uma relação causa-efeito (embora indeterminada) entre desenvolvimento e democracia. E sim, o mundo não existe só a preto e branco, mas por outro lado esta dicotomia é mais do que frequente, sendo que equilibrios em cinzento são raros. No meu ponto de vista há quase sempre um resvalar gradual para um dos pólos.
Quanto ao Mugabe e ao facto de cair por meios democráticos poder originar uma transição para a democracia, não sei até que ponto o golpe de estado também não despoletará uma transição democrática. Não é tão linear. O golpe de estado tanto pode trazer um novo ditador, como pode desenvolver um regime democrático, realizando novas eleições ou exibindo definitivamente os reais resultados eleitorais. E como consequência, acredito que um golpe de estado (mesmo sendo encenado) teria maiores pressões da comunidade internacional e a eventual perspectiva de novas eleições, nesse caso, julgo que já teria maior controlo com observadores internacionais e sem as altas restrições que são agora impostas.
Quanto à tua intervenção sobre a diplomacia europeia, tal como no caso dos E.U.A. não acho que a Europa seja um modelo de como se devem mediar as relações internacionais com o tal "savoir faire" com anos de história, mas julgo e estou ciente que o "ponto de equilíbrio" é difícil de atingir. O estilo interventivo americano contrapõe-se à técnica diplomática lenta, confusa e de rodeios europeia. São quase extremos opostos. Até à real consumação de uma Política Externa e de Segurança Comum, não acredito que a U.E. tenha um papel de relevo no mundo, para além de um mero intermediário ou apaziguador.
E é aí que encaixa a Cimeira UE-África. Como tu dizes a "cura para todos os males", não podia sair desse evento. Porém, quanto ao facto de aquela ser "uma reunião para reconhecer que o continente africano tem problemas e precisa da ajuda europeia", penso que esse objectivo se não foi, já deveria ter sido atingido na I Cimeira UE-África que decorreu no Cairo em 2000. Eu não quero minimizar o efeito dos protocolos, mas também acho que não se deve desprezar o impacte de uma acção mais rápida e concertada.

Diogo N. disse...

Gostaria de insistir na questão da democracia. Pergunto-me, e a ti (porque realmente não sei, e apenas quero lançar a hipótese), se essa relação entre democracia e desenvolvimento será tão directa como gostamos de pensar. Pessoalmente nunca pensei nestes dois factores como um só. É certo que cada vez mais estes factores se tendem a conjugar, mas não consigo deixar de pensar que outros regimes conseguiram um nível de desenvolvimento semelhante e superior ao de muitos estados da actualidade, sem democracia. Estou a pensar, por exemplo, na Alemanha. A Alemanha já foi muito desenvolvida sem um regime democrático. A questão parece ser sempre a manutenção do regime.
Ao mesmo tempo não podemos esquecer que os Estados democráticos foram sempre os mais influentes do sistema internacional. Quer queiramos, quer não, temos que admitir que eles influenciaram o destino político do mundo a um nível estrutural, de tal maneira que nos devíamos perguntar se não houve uma "manipulação" ao nível de regime, para que se pudesse operar o processo de desenvolvimento. Ou seja, é quase como se não pudessem ter estabilidade para se desenvolver enquanto não fossem democráticos. Também não podemos esquecer que vivemos no rescaldo da Guerra-Fria. Uma vitória da democracia sobre o comunismo. Ainda estamos a viver isso, porque depois da era dos autoritarismos, as pessoas têm medo de outros que não a democracia. E se somos todos muito democráticos, por que é que nunca ninguém consultou a população sobre se realmente achava se a democracia era o melhor para si? Há um consenso internacional que não permite outra coisa que não uma democracia, praticamente. Ao ponto de ser um dos pré-requisitos obrigatórios para muitas organizações internacionais actuais.

Enfim, penso que este é um dos eternos problemas do pensamento político. Não sei. Estou muito longe de estar qualificado para falar sobre isto. Acho que só quero lançar as minhas dúvidas na esperança que mas esclareçam. Sinceramente não sei mesmo. Estou a falar, mas nem sequer sei o que é uma democracia...

Rogério Santos disse...

É uma questão que a cadeira de Regimes e Sistemas Políticos também foca. A sua resolução é obviamente complexa. Contudo para mim, a relação é mais directa no caso demoliberal, do que a relação entre os outros regimes e desenvolvimento. Isso basta-me, embora note que possa ser um critério que simplifica demasiado o problema. Contudo podem existir excepções, como fazes questão de apontar. Todavia, quando usei o termo "desenvolvimento" era num sentido amplo. Não é o tipo de desenvolvimento em que se vêem apenas números a crescer em indices de recursos económico-militares do Estado tal como é habitual ocorrer em regimes autocráticos com um forte dirigismo estatal. É também no desenvolvimento humano, de bem-estar generalizado. Por outro lado, concordo contigo quanto à repercussão da Guerra Fria para o reforço do estatuto de regime mais influente no panorama internacional, mas não nos podemos esquecer das fortes ânsias democráticas que já vêm desde o Iluminismo. Quanto ao teu ponto referente à consulta popular sobre o tipo de regime que desejam, julgo que isso é feito regularmente em todos os actos eleitorais, embora hajam especificidades como a proibição do fascismo em Portugal. Mas nada impede os portugueses, de por exemplo, votarem no Partido Comunista, o que deixaria claro que muito possivelmente deixariamos de ter um regime demoliberal.
Sobre a parte final do teu comentário, penso que já somos dois na mesma situação. Faltam-nos qualificações, numa área que ainda dá os primeiros passos e ainda tem muito que definir. Veremos se no fim das nossas carreiras teremos contribuído alguma coisa, nem que seja para uma aproximação ligeira à verdade. E para esse ponto, mesmo sendo uma discussão precoce e com os seus defeitos cognitivos, penso que há que dar mérito à iniciativa de criação deste blog, pois pelo menos já possibilitou alguma discussão que julgo permitir uma clarificação de pensamentos mútua nos seus intervenientes.

Gabriel Maria disse...

Está bom e sério, este diálogo.

Se repararem,as alternativas apresentadas pelos pensadores desde a Antiguidade Clássica,conferem diferentes dimensões aos Regimes Políticos.
Essas dimensões estão directamente relacionadas com a estabilidade dos mesmos ao longo dos tempos.Quando os fundamentos do regime político se restringem a duas dimensões, como em Aristóteles, em que a estabilidade da Politeia é precária e é ameaçada pelos dois lados pela Oligarquia ou pela Democracia/Demagogia, afectada ou desafectada pela "classe média", vemos que, rectrospectivamente falando, só há estabilidade quando entra no campo das ideias uma vertente transcendental, mitológica, religiosa ou humanamente inexplicável.
Há um paradoxo, como em Marx, em que o Estado se coopta a si próprio numa autofagia que só é possível quando todos os homens são iguais e perfeitos (talvez deuses)o que subjaz a epistemologia suprema, o conhecimento absoluto em que não há conflitos e todos os fenómenos naturais ou sociais,ou são amorfos, ou são energia pura,isto é, são não-fenómenos.Aqui não há "classe média". Ou como no Antigo Regime em que Deus pode explicar todos os acontecimentos e é panaceia de todos os males e glorificado por todas as Graças, frutos da realidade de um povo ignorante mas remediado, e satisfeito com o seu humilde Fado, em que tudo se explica num contexto transcendental ou esotérico e em que também não há "classe média".
Parece haver aqui 3 saídas já ensaiadas, e se (nós, ocidentais)continuamos nesta Era a acreditar em Democracia, é porque reconhecemos as nossas imperfeições e limites.
Para isso,louvamos o princípio do contraditório, a que subjazem todas as instabilidades próprias da condição humana,porque aceitamos naturalmente que pode haver duas opiniões sobre o mesmo facto.Isto não pode acontecer, quer com Marx, em que os Homens são deuses,
quer para regimes oriundos da "Divina Providência", em que os homens são servos.Portanto, em que a Verdade já foi alcançada.
Podemos presumir que estamos numa época em que preferimos a instabilidade e a alternância racionais, mas que talvez já estejamos nessa encruzilhada que se materializa no "choque de civilizações" talvez por pertencermos agora a um "Mundo de todos".
Mugabe, limitou-se a acabar com a classe média e o resultado está à vista.

comandante guélas disse...

Como é que estaria África se não tivesse havido descolonização?

Rogério Santos disse...

Concordo totalmente contigo Salpicão. Nos regimes autocráticos, quer de esquerda, quer de direita, a atitude política prima sempre por um dogmatismo excessivo ligado ao tal transcendentalismo dos seus líderes. Um pluralismo efectivo é a base de uma democracia liberal e a mais frequente resposta dada na actualidade pelos que se elucidam face a esse tipo de organizações políticas.
Quanto ao comentário sobre a descolonização, essa é uma pergunta que não tem uma resposta categórica. No entanto, creio que em termos de conflitos, esses manter-se-iam, só que entre colonizadores e colonizados e muito menos entre as fragmentadas etnias. O Mugabe seria substituído por um Gordon Brown, o José Eduardo dos Santos por um José Sócrates, e assim na maioria das colónias. Isto até poderia trazer incongruências quanto à teoria e prática democrática. No âmbito económico e colocando na balança o pacto colonial e a exploração trivial efectuada pelas respectivas metrópoles, julgo que possivelmente alguns países teriam até podido criar melhores infra-estruturas e condições de vida, se as colónias se mantivessem até à actualidade. É somente uma hipótese avulsa. Seria tal como estava em vias de acontecer com as colónias portuguesas que eram alvo de fortes investimentos, que sendo ou não, para tentar ludibriar a comunidade internacional, tinham repercussões ao nível do desenvolvimento desses territórios, embora este fosse sempre sem saber se o desenvolvimento era um modo dos colonizadores sofisticarem os meios de exploração ou de criarem reais melhorias na qualidade de vida dos povos colonizados.
Contudo, penso que a subjugação e o desrespeito pelas nacionalidades havia deixado de ser viável e a manutenção dessas colónias até aos nossos dias só poderia significar o isolacionismo, a asfixia económica, a regressão dos regimes democráticos (quer em quantidade como em qualidade) e o desrespeito pelo princípio da auto-determinação dos povos, o que chega para pôr de parte essa hipótese. Se até a Madeira de Alberto João Jardim, (espantosamente elogiado por Jaime Gama), com meia-dúzia de argumentos (falaciosos ou não) ameaça constantemente pela independência tal como muitos outros territórios actuais, imagine-se a multiplicação e posteriores consequências que as várias "Madeiras" teriam para a gestão das relações internacionais.

Gabriel Maria disse...

Nada sobre o Tibete, Diogo e Rogério?
Vocês é que são os patrões...

Rogério Santos disse...

Patrões não. Podias ser tu a fazer sobre esse tema. O Diogo acho que estava para fazer um texto sobre a entrada da Geórgia e da Ucrânia na Nato. Eu já estive a pensar também no encontro entre o Bush e o Putin, mas ainda não tive tempo.
Quem quiser e estiver disponivel está à vontade. Quanto mais opiniões, mais o blog se enriquece.

Diogo N. disse...

Ainda hoje pensei no tibete, a propósito dos jogos olímpicos. Estou a tentar fazer um sobre a NATO, mas como andamos todos ocupados com os estudos, pode demorar. Mas concordo com o Rogério, caro Salpicão...também queremos ter a oportunidade de criticar os teus textos, e a partir daí começar mais uma saudável discussão que, segundo espero, será o "pão nosso de cada dia" aqui no Canibal.