domingo, 27 de julho de 2008

Pragmatismo político



Depois de mais um encontro com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que dá seguimento a uma política externa que encadeou atenções sobre países como Rússia, Angola ou Líbano, voltaram a pairar no subconsciente de alguns indivíduos uma possível atitude laudatória do governo português a outros tipos de regime tidos como menos democráticos. Aqui a discussão não é essa. Na verdade, neste conjunto de relações nota-se somente a maior facilidade dos estados que rondam os regimes autoritários em fazerem diplomacia com países de pequena dimensão, como é o caso português. É um jogo de conveniências, naturalmente. Os estados menos democráticos ganham em legitimação e reconhecimento internacional. Nesta escolha sobre com quem estabelecer relações pesa o facto de que a diplomacia com estados mais importantes, para além de serem normalmente menos dependentes, acarretam mais exigências diplomáticas. No fundo, a dependência ao contribuir para a definição do peso internacional de um país leva ao pragmatismo. Do meu ponto de vista, não tenho nada contra. Balanças comerciais desequilibradas, questões energéticas, problemas acerca dos emigrantes e condições para as empresas portuguesas, se internacionalizarem, entre tantas outras situações, têm de ser resolvidas e apoiadas. E sim, este zelo tem de deixar em segundo plano questões éticas acerca dos regimes com quem o governo se relaciona. A prioridade moral encontra-se sim na situação interna. O pragmatismo político não pode ter uma conotação negativa. Portugal sabe onde exercer as suas pretensões reguladoras do sistema internacional. Como estado isolado Portugal permanece frequentemente sem voz na política externa. Basta olharmos para o caso do Kosovo onde por exemplo, ainda há uma posição a ser tomada. Daqui se compreende o porquê, de Portugal ser propenso à integração e aprofundamento em organizações internacionais. Basta ver a posição portuguesa face à PESC, à União Mediterrânica ou aos perdões das dívidas das ex-colónias (sendo estes últimos tantas vezes criticados principalmente pela Região Autónoma Madeira). Pode-se criticar alguma inércia, mas por vezes temos de ver o pragmatismo que está por trás e que não pode deixar de ser louvado ao poder apaziguar flagelos como o terrorismo e flexibilizar as relações internacionais.
Nisto, a direita política aplaude os estímulos económicos enquanto a esquerda denuncia o oportunismo e os privilégios das classes empresariais. Dos dois lados ambos denunciam a prática diplomática portuguesa com países que se encontram nos antípodas em relação à posição que defendem do espectro ideológico. Para mim a política externa portuguesa é sim classificada por um forte grau de inevitabilidade. Na minha percepção, a geografia dos recursos naturais predominantemente centrada em países com outros tipos de regime, aliada à conjuntura difícil que vivemos devido à crise internacional é que dita a aproximação.

11 comentários:

Diogo N. disse...

O estímulo económico é sem dúvida uma mais valia nas relações diplomáticas que o Governo se tem proposto a actualizar e manter com a Venezuela de Hugo Chávez. No entanto, não sei até que ponto posso concordar com o teu texto quando referes, de uma maneira positiva, a aparente "morte cerebral" dos altos dirigentes portugueses em relação a matérias de política externa. Sim, é verdade que isso nos torna mais propensos a participar em organizações internacionais de diferentes áreas. Penso, contudo, que o que o reverso da medalha, neste caso, é bem pior que aquela que fazes notar. Portugal está fraco internamente. Ninguém pode negá-lo. Até que ponto é que isto se reflecte nas relações externas? Muitíssimo! A falta de firmeza diplomática leva-nos, talvez, apenas ao "pragmatismo", na minha opinião excessivo e indicativo de uma situação atípica de governo interno.

Não sou contra as negociações com a Venezuela, especialmente tendo em vista o petróleo. A imigração passa a ser, possivelmente, um problema, visto que este governo parece pouco empenhado na sua regulação e que estamos aumentar o espectro de acolhimento pela celebração de acordos com a venezuela, mas penso que pode ser ultrapassado num futuro próximo.

Quanto ao facto de estarmos a negociar com países de cariz ideológica duvidosa, isto não será um problema desde que saibamos onde parar e de que lado da linha é que nos posicionamos. A Venezuela precisa de um pé neste lado da Europa, e se isso nos pode trazer benefícios, então que os traga.

Rogério Santos disse...

Quanto à "morte cerebral", o que defendo em nome do pragmatismo é que esta seja usada por Portugal enquanto estado isolado. Entendo que Portugal tem condições mais favoráveis de expressar a sua voz na política externa através das organizações internacionais em que está inserido, pela maior capacidade de expressão e maior legitimidade tanto para Portugal, tanto para as organizações em questão. A dificuldade que acarreta é de que os outros estados revelem o mesmo empenho na sua promoção, dado que nestes ambientes o problema maior é sempre o consenso. Num problema de consenso internacional, aí sim Portugal deverá expressar-se individualmente, mas tendo pontos diplomáticos em comum, no meu ponto de vista não é de desprezar a possibilidade de uma "política externa a uma só voz".

Gabriel Maria disse...

Quando ainda se fala do ouro judeu trocado pelo Volfrâmio lusitano, entre Hitler e Salazar nos "idos de 30 e 40",lembro-me da actual importância das relações comerciais entre um dos últimos déspotas da América Latina e o "nosso Engenheiro". Das negociatas com os ditadores africanos connosco.Das nossas relações com a oligarquia Russa. Ou dos "intercâmbios" nacionais com o Comité Central do PC Chinês,entre outros, e vêm-me subitamente à memória os filhos dos meus vizinhos, General "X" e Prof. Dr. "Y", meus amigos de infância, que me tentavam vender determinado tipo de artigos de alto valor, subtraídos em casa dos respectivos pais, por "tuta e meia", para comprarem a sua dose diária das mais variadas drogas, para acalmarem os efeitos colaterais dos vícios adquiridos.
Em cada situação,fazia-lhes sempre duas perguntas:
-Onde é que arranjaste isto?
(Para saber da sua proveniência e licitude).
-Para que queres o dinheiro?
(Para saber do seu destino e da sua utilidade).
Os casos em questão, afiguram-se-me semelhantes.
Para mim, isto não é justo, como diria S.Tomás, que a cada um pertence o que lhe é devido,porque eu sei de antemão, que o petróleo da Venezuela é dos venezuelanos, o gás da Rússia é dos russos e não da Gasprom, o trabalho dos herdeiros de Mao é roubado à infância e à felicidade dos filhos-únicos chineses, e por aí adiante até às catástrofes africanas do Robert e do José.
Não.
Acho que não se devem fazer pactos com o Diabo.

P.S.: Quando eu fazia estas perguntas aos meus infelizes amigos, muitos deles já partiram, havia sempre alguém que me dizia:
"-És mesmo parvo, isto e aquilo tão barato.....e não compraste?..ele vai vender aquilo a um outro qualquer..."


Salpicao

Rogério Santos disse...

Caro Salpicão mas isso seria atentar ao livre-cambismo. Como já referi vejo a actual situação quase como uma inevitabilidade da geografia mundial destes recursos, que se parecem invariavelmente centrar nestes países com os seus peculiares regimes. Saliento também que por outro lado o petróleo e outros produtos parecem ter mais utilidade ao serem vendidos ao exterior e tornarem-se rentáveis, do que ao ficaram no interior destes países que na maioria dos casos não tem capacidade de absorção e utilização destes recursos devido ao seu atraso económico. Por outro lado a gestão do "petróleo da Venezuela que é dos venezuelanos, do gás da Rússia que é dos russos" é algo que nos transcende. Se as nacionalizações nesses países funcionam assim, as incongruências são deles. Na minha opinião Portugal como país economicamente liberal não tem de se preocupar com esses assuntos e a sua obrigação é seguir as vantagens comparativas destas transacções.

Gabriel Maria disse...

Receber bens de um criminoso e oferecer-lhe uma contrapartida, qualquer que ela seja, terra, trabalho ou capital, nas nossas ditas Sociedades Democráticas e Ocidentais, é crime.
É ser receptador de produto ou bem resultante de um acto ilícito.
É o mesmo que oficializar na classificação nacional de profissões o " car jacking" com remuneração recomendada.
Não posso permitir ou admitir, que a Sociedade Global não caminhe para a Sociedade das Nações, mas que antes tome um caminho enviezado e sem princípios, que marcha ao som do tambor das conveniências e das conjunturas mais ou menos negativas, para depois vir moralizar e servir de exemplo quando as coisas correm bem, ou quando dá jeito.
Essa vénia ao vil metal, é meio caminho andado para a apologia da Soberba, que fez e fará cair os maiores impérios.
Essa genuflexão ao materialismo e mercantilismo, foi responsável pela queda de Roma e Constantinopla.Quais Fortalezas inexpugnáveis convertidas em altares de culto a riquezas de outra ou da mesma espécie do "Ouro Negro" e afastadas e apartadas dos velhos princípios que as forçaram a ter êxito e sucesso.

Até 2001 era impensável um ataque à "Roma do Séc. XXI", este foi só o principal indício que algo de pior estará para vir.
Não se pode acudir a Gregos ou a Troianos conforme nos dá mais jeito, mas sim com critérios determinados pela Razão e pela noção que temos de Bem.
Se isto não interessa, nada mais interessa.

A mim interessa, não tenho preço.

Diogo N. disse...

O problema, parece-me, é o facto de ser impossível isolar tais sociedades ditas "não democráticas" do panorama internacional. Elas têm a sua própria forma de fazer a devida pressão sobre as democracias ocidentais e não me parece viável que possamos permanecer satisfatoriamente ortodoxos, no sentido platónico. É uma questão de interdependência complexa, e se as democracias nada fazem para se isolar e conseguir depender menos desses bens provenientes de fontes ilícitas, também não podemos marginalizá-los e obrigá-los a ver que só com a democracia é que chegarão até nós.

É muito fácil fazer o papel, tão tipicamente americano, de exportação democrática e de valores ocidentais por todo o mundo. Neles reside, supostamente, a autoridade moral máxima por serem a maior democracia ocidental de ha umas décadas para cá. Todavia, podemos perguntar-nos a que preço é que eles são tão democráticos. O realismo enquanto paradigma de política externa americana é incontornável, tal como deve ser no caso em questão. Se temos que nos curvar, que nos curvemos, embora de maneira a fazer com que os outros se curvem mais. Não sendo isto possível, resta-nos melhorar a situação interna de maneira a que isto se possa reflectir num maior equilíbrio externo e numa menor dependência das ditas "fontes ilícitas".

Carlos Sales Moio disse...

A questão aqui em causa não é a da exportação da democracia, longe de Portugal armar-se em paladino dessa causa, mas o estabelecimento de uma posição que demonstre que deste lado da barricada a situação fica mais fácil. É verdade que não nos podemos dar ao luxo de levantar o nariz e seguir com os valores democráticos debaixo do braço passando pelos outros regimes como se nada fossem, somos obrigados a estabelecer relações, mas é importante que estas relações tenham em vista os nossos valores, pactuar de forma irresponsável confere não só legitimidade mas também condições para o florescimento das economias desses países não tão democráticos.
O caso particular da Venezuela insere-se no quadro da América Latina, região na qual Portugal deve apostar, no entanto é necessária atenção redobrada nas concessões a fazer, a situação interna não é a melhor mas com certeza não será a boa vontade de Chávez a oferecer-nos uma saída. Isto sem querer entrar no problema energético, solução que eu defendo que deve ser encontrada a 27 e não por processos unilaterais seja com que tipo de regime for.
Mas voltando ao ponto inicial, sim devemos estabelecer relações, sim podem ser com países não tão democráticos, mas não, não podem ignorar a situação desses países quando o regime dos mesmos é ofensivo para com a sua população, é um dos pequenos "quirks" da democracia, preocupa-se com o bem estar dos outros, vá se lá saber porquê...

Diogo N. disse...

Sócrates, o Filósofo, defendia que só deviamos interferir nos assuntos alheios quando os nossos próprios estivessem plenamente resolvidos. Penso que se aplica neste caso. Sim, podemos ignorar o estado político e ideológico de nações como a Venezuela enquanto Estado isolado. O que as pessoas, e principalmente a esquerda, se vao esquecendo, é que o "oportunismo das classes empresariais" traz benefícios para todos. Portugal não se pode dar ao luxo de ser um Estado anti-ditatorial. Portugal é, somente, um Estado democrático enquanto não resolver plenamente a sua situação e a dos seus.
Primeiro os nossos, depois os restantes...

Rogério Santos disse...

Faço minhas as palavras do Diogo. Quando quisermos dar lições de democracia, os "amplificadores" estão sempre disponíveis nas organizações de que fazemos parte. Aí sim temos poder regulador e apoios para fazer uma real diferença.

Carlos Sales Moio disse...

Essa permissividade é perigosa, é impensável no mundo moderno pensar apenas nos problemas internos sem a preocupação com os externos, lição aprendida a muito custo após a 2ªGM, não querendo comparar Chávez aos fascismos da 1ª metade do Séc. XX, mas há que manter uma visão aberta sobre o que se passa no mundo. Fornecer a um estado que declara abertamente ser contra o status quo, quer concordemos com o suposto imperialismo americano ou não, instrumentos para o seu crescimento não é de todo a atitude mais sensata. É necessário equacionar de forma bastante ponderada as opções que dispomos, e se a única disponível for essa, avançar com a salvaguarda que as acções agora tomadas não têm consequências graves. O anti-americanismo não afecta apenas os EUA, para o bem ou para o mal, são eles a bitola das democracias ocidentais, os supostos "líderes do mundo livre".

Gabriel Maria disse...

Penso que este assunto está esgotado, neste âmbito.
Não vou deixar aqui um chorrilho de interrogações, para justificar a minha tese de que não existem nem princípios nem critérios de avaliação, de selecção ou de admissão, para a existência de relações entre dois países.
O que eu pretendo criticar, são as situações em que se defendem determinados valores para justificar determinados negócios de aparente interesse mútuo, e que deixam de ser válidos quando as condições económicas se alteram.Neste caso, a crise financeira ocidental e a alta do petróleo, fazem com que o maior dos democratas, seja amiguinho do pior dos tiranos.